terça-feira, 17 de agosto de 2010

Da incoerência de nossas ações

Em seus ensaios o grande montaigne, filósofo na melhor acepção da palavra, delineia uma caricatura do ser humano onde a própria forma de sua escrita exemplifica a dificuldade de uma apreensão absoluta de qualquer espécie pretendida de uma tipologia.É sobre o agir humano que ele discorre.Um agir humano que não pode ser reduzido a uma tipologia, a um cálculo.Ele transita pela aprensão fenomenologica da psique no que essa se mostra como fragmentada.Por isso seus ensaios também são fragmentados pois ostentam perfeita sintonia com o objeto de suas dissertações.Vejamos abaixo:

Original: Ensaios; 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980, pp. 159-16







"Os que se dedicam à crítica das ações humanas jamais se sentem tão embaraçados como quando


procuram agrupar e harmonizar sob uma mesma luz todos os atos dos homens, pois estes se contradizem


comumente e a tal ponto que não parecem provir de um mesmo indivíduo. Mário, o Jovem, ora parece


filho de Marte ora filho de Vênus. Dizem que o papa Bonifácio VII assumiu o papado como uma raposa,


conduziu-se como um leão e morreu como um cão. E quem diria que Nero, essa verdadeira imagem da


crueldade, como lhe apresentassem para ser assinada, de acordo com a lei, a sentença contra um


criminoso, observou: – Prouvera a Deus que eu não soubesse escrever! – tanto lhe apertava o coração


condenar um homem à morte. Há tantos exemplos semelhantes, e tão facilmente os encontrará sozinho


quem quiser, que estranho ver por vezes gente de bom senso procurando juntar tais contradições,


mesmo porque a irresolução me parece ser o vício mais comum e evidente de nossa natureza, como o


atesta este verso de Públio, o satírico: “Má opinião, a de que não se pode mais mudar”.

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